terça-feira, 1 de novembro de 2016

[Conto] A noite-dia de Kriz'Ur (parte IV)

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Quarta e última parte!

E assim termina a saga da batalha de Kriz'Ur. Curti muito escrever esse conto-livro-presente, e espero que tenham gostado de ler. Um beijo pra minha lindinha que tem cada dia me incentivado mais e me apoiado :)

E agora, o que pode persistir ao terror da guerra e à tristeza do tempo passado? O sonho pode vir a adormecer, mas a esperança jamais se deita.

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4.TAURELAS
(do universo de alta magia de Iph'oriam)


A brisa do fim de tarde de Faërie – ali, quase sempre era fim de tarde – fez dançar os cabelos verde-folha da general. A maldição da Goeol-Dûor a impedia de sentir plenamente o toque do vento, mas ela se lembrava, na época da guerra contra os gigantes de décadas atrás, de como aquela brisa era fresca.

Ainda se lembrava daquele final de tarde em sua primeira batalha, quando era apenas mais uma soldado nas fileiras de Callon Anorgail, seu finado capitão. O território de Kriz’Ur em Faërie estava sendo atacado por hordas de gigantes, vindos das Montanhas de Trevafluente, liderados por um rei desejoso por conquistar as montanhas do vale nevado.

O vento soprou uma vez mais, e seu ombro ardeu – onde ainda estava alojada a telëneternesj – e as visões vieram.

Diante deles, as hordas de gigantes marchavam.

Ela era ainda inexperiente, apesar de amar ser uma soldado, e aquela seria sua primeira guerra. O exército inimigo, armados com pedras gigantes, árvores inteiras arrancadas e machados tão extensos quanto torres, fez com que ela duvidasse que fosse forte o suficiente.

Mas então, aquele mesmo vento tocou seu rosto e lhe trouxe uma paz que ela não esperava encontrar. E Callon gritou palavras de força e convicção, insuflando-os para defender sua terra, seus vales, e ela voltou a acreditar.

Ela viveu uma vez mais a terrível batalha, onde muitos de seus companheiros e amigos perderam o último suspiro. E então a visão avançou no tempo, e após quinze anos de guerra, ela já ganhara o posto de capitã de seu próprio grupo de guerreiros, e lutou por muito tempo ao lado de Callon como uma igual.

Foi ao seu lado que ele morreu, numa investida frustrada.

O rosto do capitão e amigo foi a última coisa que a visão trouxe, e então ela estava de volta sobre a colina, recebendo a brisa que vinha do vale abaixo, no presente.

Aquele vento não podia mais trazer o paz para seu espírito, mas trazia lembranças, distantes e tristes.

A maldição, juntamente com os anos de guerra e derrota, a deixaram amarga. Após a morte de Tamdrash, algumas casas nobres se juntaram e elegeram um novo líder, mas a confiança do reino estava abalada. Foi questão de meses para que o Reino Vermelho tomasse Kriz’Ur e o anexasse ao seu território. Ashardalon escolheu Ishkar para governar o vale, e desde então o dragão verde tem caçado sem descanso os grupos rebeldes.

Poucos restaram, é verdade, a maioria escondida nos vales secretos de Faërie.

Um soldado se aproximou dela.

– Senhora, o inimigo já se encontra dentro da Floresta de Vidro, a menos de meio dia de caminhada.

Taurelas se voltou. Quem lhe trazia a informação era um feérico jovem, ainda sem marcas de batalhas, de olhos cinzentos e cabelos azuis da cor do mar. Era um dos quatro jovens que se juntaram ao seu grupo havia dois dias, fugidos das aldeias sob o domínio de Ishkar. Não devia ter mais de cento e vinte anos.

Tão jovens...

Taurelas suspirou, cansada.

– Informe aos demais para levantar acampamento, soldado. Vamos emboscá-los no meio do caminho, dentro da Floresta. Eles não podem encontrar nosso refúgio.

– Sim, senhora!

Ele correu para o pequeno acampamento do grupo, formado por quase três dezenas de soldados, entre novatos e velhos guerreiros. Podiam não ser muitos, mas contavam com veteranos dos primeiros anos de guerra, e com o comando de Taurelas e suas visões, conseguiram por várias vezes manter os atacantes longe do vale que protegiam. Um dos únicos refúgios dos que lutavam contra os invasores.

E isso já fazia vinte anos.

Taurelas se tornara uma Senhora Feérica, famosa e reconhecida entre os rebeldes. Quando Ishkar dominou as terras de Kriz’Ur, vários se juntaram para fazer frente ao governo invasor, e uma pequena resistência se formou, tentando, ao longo dos anos, sabotar o novo governo. Mas a cada dia menos voluntários se juntavam às suas fileiras; os quatro jovens foram os primeiros a aparecer em meses.

A esperança do povo minguava... A guerra matara muito mais do que os que morreram em combate.

Ela suspirou. Estava cansada.

Os soldados de seu grupo subiram a pequena colina onde se encontrava, trazendo as tendas e os cavalos, prontos para partir.

A guerra não permite descanso. A guerra nunca espera.

Lançou uma última olhada colina abaixo, esperando a brisa que dessa vez não veio. Suspirando, tomou o elmo que descansava aos seus pés e cobriu a cabeça. Puxou o cordão com uma telëneternesj, que todos da resistência traziam no pescoço, e orou por boa sorte.

Partiram.



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Arte do capítulo: sweet sunset, por Barbara Florczyk (BaxiaArt) (©2013-2016 BaxiaArt)
Website: http://baxiaart.deviantart.com/

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